Assim como na estação ferroviária, toca a cigarra do primeiro aviso: Corra, pegue seu lugar que o trem partirá em breve.
Me assentei ao fundo do vagão olhando a paisagem ao redor. Os demais passageiros, cada um a seu modo, buscavam se aquietar para o embarque na tão ensaiada e esperada viagem.
Segunda cigarra. Sorrio internamente, sem um único sinal de nervosismo ou ansiedade. Mais passageiros se aproximam; alguns silenciosos, outros se abraçando e confraternizando pela jornada. Repeti a cena, para alguns abraços, outros acenos e outros mais apenas o olhar silencioso da confiança estabelecida nos encontros anteriores.
Soa o terceiro sinal. É agora. O trem vai partir. Escutamos os anunciadores da viagem, chamando o povo da estação para subir à embarcação, no vagão especial de acompanhantes da aventura, e, já no meu lugar marcado, vejo meu contraponto chegando ao seu próprio lugar e sei que desse trem não vou escapar. Ao sinal da caixa ele partiu, e com ele, num tum-tum-tum de samba, que não combinava com o cerrado, meu coração foi encontrando o tom pantaneiro que permitisse minha emoção e voz viajarem no ritmo boiadeiro, sem pressa, da viagem. Minha passagem era só de ida, minha jornada, interior.
O maquinista se fez presente, e tal qual nas locomotivas antigas, não contava com comandos digitais, sua condução manual, perfeitamente orgânica. O sorriso confiante; o olhar, carvão incandescente queimando a fornalha para levar o trem adiante.
Orei, dancei, cantei, bailei. Permiti ao meu corpo buscar liberdade naquele vagão, assim como alforriei minha voz da perfeição: liberdade para ser intensa, emotiva.
Os demais passageiros (muitos acostumados ao caminho outros descobrindo o destino, alguns se despedindo daquela rota) se delongavam, cada um na sua viagem interna. O “pantâno” se faz sentir em diferentes moradas.
Entre a seca e a chuva no pantanal, vaqueiros pensando que a vida é marvada tocam comitivas e, na dura lida da profissão, pegam suas violas para muitas vezes, em romaria, esperar o dia amanhecer para tocar; sofrem por amores entre encontros e despedidas, enquanto acenam para as chalanas que sobem e descem os rios, e permitem que a terra honre seu próprio cio.
Eu, passageira, nessa primeira viagem os percebi intensamente. O vagão imaginário que me permitiu viajar por um percurso inenarrável de emoções, permaneceu de cortinas abertas ao chegar ao destino. Não sei se foi descuido, prefiro acreditar que apenas um sinal. Sinal de que a viagem está apenas começando, que o maquinista orquestrará novas jornadas e manterá a caldeira plena, acesa, deixando cada um dos demais embarcados soprar a brasa e brilhar.
Texto: Giana Benatto Ferreira
Imagem: Coro Experimental de Mato Grosso @coroexperimentalmt, by @dizaofoto