Para quem sabe nadar, gosta de entrar no mar e curtir a água por longos períodos, fazê-lo requer uma série de avaliações intangíveis e decisões que, frequentemente, são tomadas sem muito pensar.
Se o mar está calmo é possível se aventurar, ir mais fundo, nadar, boiar, tomar mais risco. Os maiores cuidados a se ter é estar atenta às esporádicas ondas maiores que surgem, buracos no chão ou correnteza. É possível desfrutar plenamente a calmaria.
Quando o mar está brabo, turbulento, com grandes ondas ou correntezas fortes, os cuidados são outros. Evita-se o fundo, a cada grande onda é preciso preparar o corpo e o equilíbrio para o golpe que inevitavelmente virá. É preciso estar alerta, com todos os sentidos aguçados. Se a onda é grande demais pra dar conta, em uma fração de segundos decide-se mergulhar, torcendo que não venha outra maior na sequência.
Assim, estive no início desse ano. Consciente do privilégio de passar dez dias isolada numa praia semideserta, aproveitei o mar e com ele refleti sobre o ano que está começando.
Foram três dias de calmaria. Mar perfeito, límpido, calmo. Era possível ver os pés e a areia debaixo d’água. Só marola, naquele vai e vem delicioso. Eu e minha filha ficamos mais de 3 horas dentro d’água nesses dias. Só saíamos para passar mais protetor solar e comer alguma coisa. Nossa maior preocupação era desviar dos eventuais buracos na areia, para que nos mantivéssemos “dando pé”. Ali nadamos, brincamos, conversamos, filosofamos sobre a vida, gargalhamos juntas e vivemos. Vivemos intensamente.
No quarto dia, os ventos mudaram. Chegou o vento sul com toda sua força e, com ele, o mar se agitou. Aquele mar de antes não existia mais. O que tínhamos então era o “mar do vento sul”. Ondas grandes e fortes, bandeiras vermelhas espalhadas pela praia, guarda-vidas em alerta e muita correnteza. A água, antes cristalina, já estava turva da areia remexida. A cor do mar já não era a mesma. Neste dia, tentamos passar da rebentação das ondas e ver se conseguiríamos um local mais calmo, mas não foi possível. As ondas eram muito mais fortes do que nós. Nos resignamos a ficar no raso, testando a força das pernas e o fôlego a cada mergulho.
A partir desse dia, o mar se manteve turbulento. Aquela calmaria era só memória. O que tínhamos era o “mar do vento sul”. Decidimos que era melhor enfrentar as ondas, do que ficar olhando o mar da areia seca. Assim fizemos. Vivemos, rimos e gritamos muito “olha a onda!!!”, “mergulha!!!”, “lá vem outra!!!”.
Já no terceiro dia com esse “novo” mar, a correnteza estava especialmente forte. Era muito difícil se manter no raso e dentro da “zona” sugerida pelo guarda-vidas. Eu já estava cansada, pronta para ir embora quando encontrei um buraco, ali mesmo, bem no rasinho.
Nos dias de calmaria, lá no fundo, nós fugíamos dos buracos. Mas ali, naquele dia, com o mar agitado e passando frio, no raso, com metade do corpo fora d’água, percebi que aquele buraco era um presente!
Primeiro pensei: “Começar o ano gostando de se afundar no buraco é foda, heim?!”. Mas aquilo estava tão bom! Ali, dobrando um pouco as pernas, consegui me cobrir com a água morna do mar. Finquei um pé na frente e o outro atrás, assim conseguia me manter firme e com equilíbrio a cada onda forte. Servi de “âncora” para a Sofia, que incessantemente era puxada pela correnteza. E ali, no buraco, fiz minha “calmaria”. Ressignifiquei o “afundar no buraco”, por “me proteger em minha trincheira”. Fiz daquilo “abrigo” e ponto seguro. Já não era mais tão cansativo estar naquele turbilhão de ondas e forças. E, assim, conseguimos permanecer no mar por muito mais tempo, com muito mais prazer.
Foi nesse ir e vir de forças inesperadas que iniciei o ano. Refletindo sobre como é possível sim planejá-lo, mesmo com tantas incertezas sobre o futuro. Talvez mais importante que o planejamento propriamente dito, seja saber ler os sinais e ser capaz de se adaptar de acordo com o vento.
Assim, creio que o planejamento para 2021 requer o reconhecimento do próprio ponto de partida, forças e fraquezas. É importante avaliar as condições externas, tendências e cenários, a partir das informações disponíveis e, a partir disso, traçar objetivos e delinear o fio condutor que irá nortear as análises, decisões e ações durante o ano.
Ao longo do caminho, é preciso estar com todos os sentidos aguçados e alertas para captar os sinais que o mundo externo e interno fornece. Olhe e veja. Escute e ouça. Perceba e sinta. Capte e respeite os sinais que o universo envia. Assim, será mais fácil de adaptar às mudanças, encontrar oportunidades e viver mais prazerosamente durante tempos turbulentos.
Texto: Marina Wille – colaboradora
Foto de Victor Freitas no Pexels
*Os textos dos colunistas em colaboração são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente expressam a opinião do VIVAZIDADE.
Muito bom e pertinente para o momento!
Obrigada, Grace.
Marina querida, minha leitura foi tardia, mas extremamente prazerosa. Era bem assim que eu queria estar ao ler teu texto. Adoro visualizar as cenas nos textos que leio, e se o faço com pressa, são apenas palavras em boa ordem gramatical, sentido, mas sem essa possibilidade garantida. Adorei!
Bjs
Adorei!!! Marina, me vi em cada uma das cenas de seu texto. Parabéns por levar-nos a refletir com sensibilidade, delicadeza e sabedoria !!!!! Com carinho, Juliana RP