Você pode pensar ao ler o título do artigo este não é o momento para se falar sobre morte. Estamos assustados com a quarentena, Covid-19, noticiário com contagem de mortos pelo mundo inteiro, e que devemos falar, neste momento, de esperança.
Concordo com vocês, estamos vivendo um período onde a esperança é a força maior para nos agarrarmos – cada um dentro da sua fé ou ainda, na falta dela. A esperança de voltarmos à normalidade da vida, com suas delícias, esquisitices, agruras e vitórias. Como se pudéssemos acordar e perceber que éramos personagem de um pesadelo.
Entretanto, de um modo ou de outro, falar sobre a morte pode tirar um peso enorme dos ombros de todos nós. Ela está aí – nos rodeia desde que nascemos – independente da fase estranha pela qual estamos passando. Falar sobre a morte é, ou pelo menos deveria ser, natural como falar sobre viver, pois como diz o ditado: a morte é a única certeza que temos na vida.
Mas, por que levantar este assunto agora?
Justamente porque este recolhimento forçado é um tempo de valorizar a vida, e para que a valorizemos devemos falar sobre a finitude do ser, da natureza, da vida em si. Ninguém deseja a morte de ninguém, mas ela (dona morte não pede passagem) vai continuar saltitante ao nosso redor, buscando uma pessoa aqui, outra ali, outros acolá, por múltiplas causas – acidente, doença, desespero ou natural – sem que possamos deter sua atividade.
Então, durante o recolhimento é sensato também pensar em como trabalhar nossa finitude; a possível falta que faremos neste mundo. Com a clareza deste pensamento, trabalhar mente e coração para algumas aceitações e buscar soluções a problemas que nossa ausência ou de alguém que amamos, pode causar.
Não temos todo tempo que acreditamos ter, nunca tivemos. Somos um grão de areia nesta imensidão. Assim, por que não arrumarmos nossos papéis, documentos e afins para caso algo aconteça não deixarmos nossos queridos, família, filhos, empregados e outros desassistidos? O drama da morte já é apavorante por si só. Lidar com a falta de informações sobre bens, dinheiro, aplicações financeiras, contas a pagar e a receber, é um grande desafio para quem fica.
Não estamos sugerindo sair fazer testamento, ou achar que amanhã não estará mais aqui entre os seus. Estamos nos referindo em providenciar um espaço – papel, caixa, gaveta, onde aquelas informações estejam reunidas – documentos ou cópias deles. Só quem já ficou sem recursos no dia seguinte ao falecimento de um familiar sabe o desespero que é não ter como pagar, inicialmente o velório. E, com o tempo, descobrir que havia seguro de vida, auxílio funeral, dívidas futuras ou valores a receber.
Avisar alguém de confiança onde deixou as informações, com a certeza de, até acontecer o improvável (amanhã ou daqui 40 anos) ninguém terá mexido na caixa ou aberto a carta onde foi deixada a senha do banco, do cartão de crédito e as outras informações que não têm mais sentido algum para quem partiu, mas fazem toda a diferença para quem fica.
Voltando ao assunto da morte em si, vocês já conversaram com seus familiares sobre o desejo de ser doador de órgãos; ser cremado e as cinzas jogadas no Mar Mediterrâneo ou simplesmente serem colocadas na árvore no quintal, e ainda que gostaria que um dia seus livros sejam doados para a biblioteca municipal? Conversar sobre o que pensa, imagina e quer depois de não estar mais aqui, deveria ser tão comum como as ideias que trocamos dia-a-dia.
Já analisaram a possibilidade de, entendendo como a vida é breve, não perder tempo com picuinhas com amigos, pais e parentes? Da chance de conversar com todos e abrir o coração? Que tal aproveitar agora a oportunidade?
Ser grato pela vida, amar, reconhecer que a vida é curta nos faz encarar a finitude e por consequência, a morte, com mais leveza e sabedoria.
Quadro – Morte e vida – Gustav Klimt (1915).