Ia começar a escrever prevendo meu comportamento para quando eu ficasse velha. Acordei. Talvez agora só possa escrever para quando eu ficar mais velha.
No conceito geral já sou. Ainda não sessentona, mas com um pé ali ali. Ano que vem pulo com os dois dentro da terceira idade (oh termo feio!). Mas quando me olho no espelho, apesar das rugas, da pele mais ressecada, dos quadris alargando, não percebo a famigerada idade.
Se por um lado não saio saltitante por aí, posso dizer que sim, ainda sou bastante inquieta. Sou irrequieta, espevitada. Não sou esportista, com bateria duracel. Sou alegre, sou vida.
Tenho tantos sonhos e projetos que precisaria o dobro da minha idade para realizar tudo que planejo. Preferencialmente sem doenças, tristezas, rancores e dependente dos outros.
Quero minha liberdade, assim como desejo a de meus filhos. Quero ser visita, em dia de festa. Chegar, ficar um pouco e sair sem incomodar ninguém. Eles sabem que vou estar lá se me chamarem, para festa e para amparo, mas se os criei bem, darão conta de seus próprios dilemas e apertos.
Quero minhas memórias sem ser peso para quem quer que seja. Continuar a enxergar tudo pelo lado leve da vida, sabendo que se algo inusitado me acontecer, vai ter uma combatente à altura. Não sou fácil de ser derrubada.
Cadeira de balanço na varanda, ilusão. Tricô no balaio ao lado do sofá, apenas como exercício mindfulness. Os pontos se formando como teia a traçar minha vida. Onde a atenção do momento faz o relógio hibernar suas batidas. O presente lento, o tricotar intenso.
Quando eu ficar velha, serei com meus vincos e cicatrizes. Tudo em meu corpo é história e será mais ainda, enquanto eu puder lembrar.
Próximo passo: assumir os cabelos brancos. Não que eles representem que aceitei a velhice, ao contrário. É reconhecer que meu corpo está em metamorfose desde sempre, que desde os trinta tenho mechas prateando o cabelo castanho. Ainda não as assumi, confesso. Estou nesta transição e me deixo enganar pelo que é cobrado pela sociedade. Tenho plena consciência disso.
Quando eu ficar velha, vou sim ficar nos parques da cidade. Vou treinar cedo com um grupo de tai-chi-chuan; outro dia com um de ioga, no outro buscarei um de dança… ops, nada diferente do que já faço há tempos. Então, quando eu ficar mais velha quero continuar as brincadeiras da atual velhice.
Quando ficar velha, quero escrever mais, pintar mais, desenhar mais. Aprender a pintar porcelana, criar escultura em argila e trabalhar carpintaria. Gostaria de andar de skate, mas um tombo e osso quebrado, aos sessenta custa mais a cicatrizar. Então acho que vou ‘pular’ aprender de andar de skate. Quem sabe se eu for morar numa praia aprendo a surfar, isso sim, afora os caldos, me parece delicioso.
Quando eu ficar velha quero me apaixonar todos os dias. De amor platônico ao ardente (dentro do possível) quero todos. Pelo mesmo companheiro, por novos amigos, experiências, lugares, por todo mundo. Quero gente em volta. De todas as idades e localidades.
Quando ficar mais velha quero equilíbrio. Físico, mental e nas minhas escolhas. E se minha escolha for desarrazoada para quem me vê, azar dele! Ela tem que fazer sentido para mim.
Quando eu ficar mais velha não posso permitir ser infantilizada e quero estar sempre pronta a lutar pela minha própria voz, afinal foi para isso que envelheci, não foi?
Quando eu ficar velha, quero ser a matemática perfeita, a equação resolvida de todas as experiências que vivem em mim. E, se sobrar alguma sem resolução, que seja… A matemática é perfeita, mas a vida é mais. Quem sabe eu apenas não terei enxergado o resultado. Ainda.
Quando eu ficar velha, quero continuar a ter em mente que, dependendo de que ângulo sou percebida, já sou velha. Sim, velha, pouco velha ou muito velha, essa é a verdade. Cronologicamente sou velha e a aceitação rejuvenesce, tira um peso muito grande de cima dos ombros. É só gratidão!
Quero sempre festa e bolo cheio de velinhas a serem apagadas. Quero mais.
Quando eu ficar mais velha.
Texto: Giana Benatto Ferreira
Foto: Pexels por Pixabay