Ouve vozes, passos leves e apressados, uma música ligeira.
Mãos cálidas e macias afagam seu rosto e passam por seus cabelos, num gesto de paternal ternura.
Ela está sentada no chão, na pose favorita. Deve ter ficado assim muito tempo, sonhando acordada.
Abre os olhos e volta repentinamente ao presente. Não há ninguém consigo, nem móveis, nada. Está tudo vazio, paredes nuas, janelas e cortinas. Está completamente só.
Levanta-se e dá uma última olhada nos quartos, nas varandas de onde se descortinam paisagens tão belas quanto caras. Desce ao andar inferior; pela primeira vez o som de seus passos na escada parece fazer ranger os degraus de imbuia, sempre impecavelmente limpos, mas que mostram que o pó se acumulou, às marcas de seus sapatos.
Lembra-se quando, anos atrás, descera aquela mesma escada, devagarinho, os amigos convidados a olhá-la em seu vestido branco, flores decorando o caminho até o salão, onde, como as irmãs já haviam feito, se casara.
Em sua mente fervilham emoções. Despede-se, talvez para sempre, da casa que já fora seu lar e onde vivera os doces e tranquilos anos da infância e que em breve vai servir de lar a novos e estranhos moradores, ou escritório, ou até mesmo escola…
Passar pelo salão, silencioso e maior em sua nudez; chega ao escritório, olha calmamente as outras peças. Existe uma saudade, uma lembrança, uma volta ao passado em cada canto.
Um pouco mais e um soluço se transforma em lágrimas que lhe escorrem pelo rosto. Ao fechar a porta atrás de si, é com um suspiro que nota o mármore sujo da varanda, contrastando com o brilho da folhagem que ladeia a casa, envolta no sol da tarde.
O jardim conserva, em parte, sua antiga beleza, mas nem parecem as mesmas calçadas entre a grama e os canteiros. As flores se ressentem de falta de trato a que foram relegadas pendendo desoladas em suas hastes. Mesmo assim olhe, aqui e ali, algumas entre as mais viçosas, formando um buquê onde se misturam diferentes flores, imitando o ramalhete de seus próprios e variados sentimentos. É sua última tentativa de homenagear seu passado, tão presentes nesse momento de adeus.
Dá meia volta e sal para não mais voltar…
Texto recuperado de Géci de Castro Benatto, em referência à casa em que morou parte de sua vida em Curitiba, nas Mercês. Publicado no jornal Shopping Semanal, em 11 de setembro de 1976.