Ao acordar olhei para o espelho.
Me percebi amassada e com vincos. Cara de travesseiro.
E, sem ao menos piscar,
não me reconheci naquela imagem.
Por um momento vi a bailarina que poderia ter sido,
a artista que não ousei ser, a embaixadora que não me esforcei a chegar.
Em confusão mental, vi a pessoa que me habita,
que não tem a idade do registro, buscando o tempo todo se encontrar.
Vi a mulher que canta alto o tempo que pode,
que socorre, atua e depois desmorona.
Que brinca com pessoas desconhecidas e crianças.
Que quando percebe passeia com os cachorros da rua.
Vi a menina que dança na calçada, na loja, no banco e no supermercado.
Vi a idealista e a construtora de mundo real.
A idosa inconformada com ingratidão,
Com tempo desperdiçado.
Nesta imagem da cara amassada, meu pensamento mergulha.
No reflexo do espelho, meu semblante,
meu corpo e minhas cicatrizes
não contam minhas histórias.
Ah, o tempo, se injusto não sei.
Me deu todas as chances, até mesmo as que não busquei.
Me dá o agora, o presente,
algumas vezes não aquilo com o que sonhei.
Espero que o tempo me permita o futuro.
Que o espelho continue a me desafiar inteira.
Que me reflita cantante, dançante e por fim,
ainda que velhinha, reflita somente minh’alma verdadeira.
- Texto – Giana Benatto – 2014, publicada no livro Me Deixando levar – 2020.
- Foto de Miriam Espacio no Pexels
Menina, moça, mulher, pessoa rica para escrita e auto avaliações principalmente se forem para o alto. Estabelecemos patamares e ideais e por vezes nos consideramos aquém. O que achei muito lindo foi a fluidez do texto. Enxerguei uma bailarina deslizando muito dona de si. Parabéns, escritora!
Obrigada, Silvana. O texto não é novo, mas continua atual.
Que lindo!!!!!
Obrigada pelo carinho KaliC