Não há quem conheça Manxina e não se recorde dela para o resto da vida. Cabelos negros feito a graúna – sem ser lugar comum – mas que brilham longe no tom de preto sedoso; sorriso afetuoso, brincalhão e risada divertida de se ouvir. Risadas de adultos normalmente não são poéticas, mas a de Manxina é solta, leve e verdadeira. Risada que vem de dentro do coração. E nos momentos que ri, chacoalha firme seu braço esquerdo repleto de pulseias, que batem umas nas outras.
Diz a lenda que ainda pequena, muito pequena, quando perguntada sobre o que gostaria de ganhar como presente de aniversário, Natal e datas comemorativas respondia brilho. Anéis, pulseiras, brincos ou correntinhas. Desde que brilhasse, perfeito.
Durante a vida ganhou brilho de presente. Algumas ocasiões, acompanhado de pedras reluzentes, opacas, transparentes ou coloridas. Com o tempo foi aprendendo a combinar o uso das peças com o que o momento pedia. Brincava e cuidava dessas riquezas com amor e gratidão. A caixa de couro, forrada de veludo cor de vinho Malbec, era seu baú de pirata. Quando abria, os raios de luz do ouro e pedras preciosas acendiam o ambiente. Sentada na cama, pegava a flanela que guardava dentro do baú encantado e limpava peça por peça.
Começou desde então a colecionar esses tesouros. Não sei quantas pulseiras “quase” nunca são tiradas do braço, como se as pulseiras fizessem parte do corpo e figurino de Manxina. Lembro que sempre vestiu pulseiras, era vaidosa. Mas o que me marcou foi uma de ouro, argola sem fecho, daquelas que se espreme a mão para que passe até o braço. Depois viraram quase uma dúzia delas, como alianças no pulso ou cigana dançando ao redor da fogueira. Durante muito tempo, como um relógio cuco marcando as horas na parede, uma dessas pulseiras contava os anos de casamento. Cada novo ano, uma argola menor, do tamanho de um botão de camisa, se juntava à principal, em simbologia que importava apenas ao casal.
Com o passar dos anos, essas muitas pulseiras de morada fixa no braço, passaram a ser reconhecidas por quem a encontrava. Como uma marca de nascença, as pulseiras, não que a definam, fazem parte dela. Um par óculos sem o qual não se enxerga bem, uma tatuagem.
A do casamento, derretida depois de vinte argolinhas, mudou de modelo. O matrimônio continuava firme, porém Manxina decidiu que já era tempo de mudar de estilo. De qualquer modo, o ouro e o brilho continuam no braço.
Tem pulseiras de pingentes dos lugares que viajou, olho grego, mais grossas, mais finas, em crochê moldado, em desenhos modernos e clássicos. Ouso até dizer que deva ter em homenagem aos netos, preciso verificar.
Manxina trabalha, cuida de seu jardim, faz academia e caminha à beira mar brilhando. Brilha na simplicidade e na beleza de quem sabe que a força desse brilho vem de dentro. Vem pelo olhar de um olho cor de jabuticaba e o outro verde, raro. Vem do sorriso e do riso que envolvem. Surge de ser, do ser quem ela é.
Mas, pensando bem, talvez ela não perceba nada disso, seja apenas minha fantasia. As pulseiras são ornamento, enfeites que ela adotou, nunca perguntei por que não as tira. Tenho certeza de que ela gosta de brilho tanto quanto gosta do sol, de se esticar na esteira e se deixar levar pela luz que irradia.
Sinto saudades, é só o que posso dizer. Saudades Manxina.
Texto: Giana Benatto
Imagem por Pixabay.
Que bela e sensível homenagem! Outro texto primoroso!
Obrigada pelo elogio. Um beijo.