26 de janeiro: Em 5 dias terei 57 anos. Estou a caminho da China. Deixo, em solo brasileiro, meu companheiro de vida e meus filhos, esperando revê-los até outubro. Dói como arrancar um membro, essa separação. São 55 horas entre voos e esperas por voos, cansaço, fome e medo. O aeroporto de Shanghai está esvaziado de vida. Todos usam máscaras e as lojas estão fechadas.
31 de Janeiro: Sem ter o que comer, comi o chocolate que eu trouxe de presente. Apenas eu caminho pelas ruas. Tudo a minha volta está fechado. Raros carros passam pelas ruas. É meu aniversário e estou só, não conheço ninguém. Saudade do meu companheiro.
Fevereiro: Mudei de apartamento. Agora, só podemos sair uma vez a cada dois dias e as medidas restritivas estão fortes. Há policiais e agentes de saúde em todos os complexos de apartamentos e no térreo de todos os edifícios. Temos que mostrar os cartões de saída e nossa temperatura é verificada a cada ida lá fora.
Março: Iniciei um curso de meditação em um grupo pelo WeChat. Da total invisibilidade e anonimato, agora nós, estrangeiros na China, nos tornamos visíveis, evitados e indesejados. A contaminação interna pelo vírus da Covid 19 foi controlada e os novos casos chegam de fora. Os chineses evitam usar o mesmo elevador, fazer fila no mesmo caixa, andar no mesmo lado da rua que nós. Me sinto ainda muito mais só.
Abril: Saio correr quando posso. Agora, participo de um grupo de leitura, também. Há pouca comida em casa e tenho muito pouco dinheiro. Me sinto humilhada. Caminho 12 kms, seis de ida e seis de volta, na chuva (todas as vezes) para dar aulas particulares. Converso com meu companheiro duas vezes todos os dias, com minha sobrinha Chrys, quase todo dia, com minhas irmãs, minha filha e meu filho e com amigos, com frequência. Vou ao mercado, cozinho para mim, estudo chinês diariamente, faço exercícios físicos, recito Daimoku, escrevo, assisto filmes e caminho. Solidão tamanha! Silêncio na alma.
Maio: Esse é o mês mais difícil da minha vida na China. Começamos a trabalhar, ainda assim, me sinto muito só. Talvez o mais só que eu já estive na minha vida inteira. Não há voos de ou para nenhum país. Todas as fronteiras estão fechadas na Ásia. lentamente, a vida vai retornando a normalidade.
Junho: Muitas demissões e mudanças na empresa. Agora, faço minhas refeições no trabalho ou como fora. Estou com mais alunos e já posso respirar um pouco, financeiramente. Meu visto me preocupa.
Julho: Estive no Consulado do Brasil em Xangai, minha cidade no mundo! Preciso estender meu visto. Me sinto aberta a mudanças. Quero recomeçar. Emprego, casa, amigos novos. Começo a sair mais.
Agosto: Meu foco agora é em mim mesma e meu ambiente. Fui às montanhas com as amigas Jingjing e Zhang. A solidão é discreta, agora. Passei nas duas entrevistas de emprego que fiz. Tenho ido à piscina com May, a cafés e bares. A saúde do meu companheiro no Brasil me preocupa.
Setembro: Decidi voltar ao Brasil e não aplicar para um novo visto. Meu companheiro precisa ser operado. Sinto um alívio enorme com minha decisão. Felicidade!
Outubro, Novembro e Dezembro: Reflito sobre minha boa sorte e a finitude da vida. Estive na China no auge da pandemia, mas me sentia segura lá, apesar da solidão. Num balanço sincero e bem humorado, nunca tive tanto tempo só para mim. Cresci como nunca! Já no Brasil, sinto-me grata por voltar ao convívio com pessoas que realmente importam para mim e que se importam comigo, ainda que distantes. Estou mais forte, mais compreensiva e continuo dando muito valor à natureza e ao conhecimento. Estou mais consciente do meu momento presente e tenho planos mais sólidos ao mesmo tempo mais simples para mim. Percebi que as pessoas estão mais conscientes de que precisamos do coletivo e do diverso para haver equilíbrio no mundo. A Covid19 se impôs como agente de renovação e de dor. Ela é a desordem do momento no ciclo “ordem-desordem-reorganização” em interações contínuas, pertinente a vida.
Texto: Giédre Benatto – colaboradora
Depoimento Pessoal – COMO PERCEBI, VIVI E SOBREVIVI A 2020
Imagem: Negative Spaces por Pexels
*Os textos dos colunistas em colaboração são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente expressam a opinião do VIVAZIDADE.
💙🌏💙 saudades, até quandoa história e triste fica bom de ler!!!
Grande beijo para uma grande mulher
Obrigada, querida!!!
Obrigado por compartilhar com nós essa sua vivência Gi. Muito orgulho de te conhecer, por você ser essa pessoa corajosa e inteligente. Isso é pra poucos.
Obrigada, Bruno. Desculpe a resposta tardia.
Gi, quantas experiências vivenciadas em um ano. Sinto a solidão nas suas palavras, mas passou por ela com sabedoria. Obrigada por compartilhar conosco sua jornada. Beijos
Obrigada, Gisele! Desculpe a resposta tardia.
Nossa imagino por quanta coisa passaste 😐Sozinha em um país onde tudo começou longe pra caramba realmente não deve ter sido nada fácil. Mas a experiência e o aprendizado que fica acaba sempre nos fortalecendo pro que der e vier e vida que segue … Vida loca de Buena!! E vamo que vamo!!👏👏🌻😘
Isso mesmo, Vera. Obrigada, querida!
Obrigada Vera! Desculpe a resposta tardia.